(Escrito na sexta-feira, 25 de Abril)
Pi,
Se não te dei mais notícias até hoje, se não te mando mais mensagens, é porque tenho sempre aquela tendência de passar para a vida dos outros aquilo que imaginaria como ideal na minha. E a verdade é que, se fosse eu a ir para África durante 2 meses, provavelmente ninguém saberia de mim durante todo esse tempo e o meu telemóvel ficaria, mais uma vez, fechado na mesa de cabeceira cá em Lisboa.
Este fim-de-semana grande pensei em deixá-lo lá, assim como tinha pensado fazê-lo na Páscoa. Mas imagino sempre aquela comichão constante que me ia perseguir o fim-de-semana inteiro. Talvez seja o meu único vício… o telemóvel, claro.
Estou sentada na casa de jantar da Casa da Boiça, onde passámos tantas tardes a descascar avelãs, num Verão em que não parámos de nos matar uma à outra, dia após dia, com tanta discussão inútil. Lembro-me de acordar e pensar que ia tentar não discutir contigo, que ia fazer um esforço enorme.
Mas sempre foi assim! A ideia que tinham de nos colar uma à outra durante meses e meses de férias nunca tinha bom resultado. Parecidas de mais em tanta coisa e diferentes noutras tantas, com 10 anos de idade, a mistura era explosiva. Hoje já não sei se seria, mas já não temos meses e meses de férias para fugirmos juntas…
A primeira vez que vejo um computador nesta casa onde parece que o tempo parou. E só o trouxe porque o meu pai precisa dele para estudar para o seu curso de patrão de alto mar. No chão, ao meu lado, está a minha filha de aluguer.
Trouxe a Beatriz comigo, a pensar que seria tarefa fácil tratar de uma princesa como esta, mas afinal, nada disso. Princesa como é, que come tudo e dorme como um anjo, ocupa-me todos os segundos do meu dia e mesmo escrever-te este texto implica ter um olho a olhar para o monitor e outro a olhar para ela, sentada no chão a tocar no seu xilofone colorido.
Ontem à noite, só para teres uma ideia, chegámos por volta das 10h e a minha prioridade número um era por o telemóvel a carregar, pois estava há umas 3 horas incomunicável. Quando finalmente consegui deixar a Beatriz a dormir e desci as escadas para encontrar o carregador, passava da meia-noite! Nem queria acreditar.
Mas isto tem sido uma animação. Ias adorar. Às 8h30 da manhã já estava na cozinha a fazer o biberon da Beatriz a fazer torradas com manteiga para o António e para a Teresinha. O Tiago e o Filipe já andavam por aí bem acordados e de pequeno-almoço tomado e mais tarde chegou o Baltazar. Uma balbúrdia total em que a única paz é o teu adorado Zé, que só dorme, come e sorri como um anjo. Ele é lindo. Espero que tenhas recebido o meu MMS com a fotografia dele.
De resto pouco tenho para te contar. Acabei os exames e nem acredito que tenho uma semana sem aulas para descansar. Se cá estivesses ia ter contigo todos os dias e paravas de te queixar da minha ausência constante. Estou ansiosa por acabar esta Pós-Graduação.
A minha mãe anda histérica com as centenas de pessoas que se lembraram que hoje faz anos. Aquele telemóvel que, num dia normal, já é perfeitamente insuportável, hoje atingiu um limite que me dá vontade de atirar o meu para a lareira. Sim, lareira, apesar de estar finalmente um tempo óptimo, dentro de casa estão provavelmente menos 5º que lá fora.
Mas continuando, a minha mãe repetiu a mensagem da sua adorada afilhada a toda a gente que lhe deu ouvidos. Eu, a antipatia constante, a cada vez que ouvia a mensagem, que já sei de cor quase, “gostava de lhe dar um beijinho enorme mas trato disso quando chegar. Um dia de anos óptimo, à altura da minha madrinha!”, repetia que não era assim nada de especial, a Madalena está em Moçambique mas não está dentro duma cela longe de qualquer indício de civilização. Não me ligou, claro está. Anda tudo morto de saudades tuas. Mas olha que isso do “à altura da minha madrinha” tem muito que se lhe diga porque a minha mãe pode ter imensas coisas impecáveis, mas lá altura… não é uma delas!
Gostava de saber tudo sobre ti, além de que nadaste com tubarões baleia. Ainda fiquei a pensar no que significa que te lembraste de mim. Porque achas que eu ia amar nadar com o que quer que seja, que ia de certeza, se foi porque viste seres quase baleias e achaste que foi nesse estado que me deixaste antes de saíres de cá, que foi! Como calculas, aqui na Boiça, dieta é coisa que fica na rua. A minha mãe e a avó, rodeados de centenas de crianças, não acharam nada melhor do que esgotar todo o stock de bolachas, gomas e bolos de todos os supermercados desde Lisboa até aqui onde estamos, seja lá onde seja.
Gostava de saber como vai o namorico, ou os namoricos, à distância, como te estás a dar com a Ana, com os miúdos subnutridos mas gorduchos que já devem fugir de ti à distância com pânico desses beijos redondos com que os deves devorar.
Também gostava de falar contigo, de desabafar. Fazes-me falta. Não que não tenha com quem desabafar, claro que tenho. Aliás, nem tenho assim tanto que precise de desabafar. Só as conversas normais, os pormenores, os segredos, que eu sei que ouves com uma atenção especial. Mas quando tiver alguma novidade interessante, se tiver alguma novidade interessante durante a tua ausência, ligo-te logo a contar.
Até lá, Pi do meu coração, ficas a saber, quando fores a um computador em que a Internet fique ligada o tempo suficiente para conseguires ler isto, que te adoro mais que tudo no mundo e que conto os dias até chegares.