Uma noite em Paris dava para escrever um livro.
Mas agora, neste momento, se calhar até me ocupava com escrever um livro inteirinho sobre a maravilha que é o meu novo Word 2007 saber escrever artigos de blog (ou blogue, melhor dizendo) directamente para dentro do meu blog sem eu ter que me incomodar.
Mas não seria tão relevante. Ou pelo menos nunca tão relevante quanto Paris. Também, para dizer a verdade, quase nada o é.
Mas se houve algo de absolutamente maravilhoso nesta viagem, começou pelo facto da sua existência só por si. A escolha da miúda que só lá trabalha há 7 meses, deixando a miúda que lá trabalha há 4 anos extremamente incomodada e, verdade seja dita, com umas trombas inacreditáveis até Deus sabe quando, deixou-me absolutamente extasiada de felicidade e até mesmo com algum orgulho em mim própria.
Deixando de parte o facto de ir a Paris receber formação para algo que adoro e que, agora que já passou, confirmo que adorei aprender e que estou ansiosa por começar a trabalhar neste projecto, o meu projecto, há qualquer coisa de absolutamente glamoroso numa miúda gira (?) com um ar empresário e de sucesso a ir apanhar o seu avião em horário empresarial, com o seu trolley atrás e num fantástico vestido ao estilo dos anos 50.
Fora este pormenor, que tem apenas a importância suficiente para influenciar o decorrer de tudo o resto, correu tudo na perfeição.
Também acho que é sempre uma questão de atitude, a forma como as coisas correm. Se começam por mim a chegar ao aeroporto a achar que esta experiência é o máximo e a lembrar-me que, de facto, a única vez que andei sozinha de avião tinha sido também para Paris mas com 6 anos de idade para ir ter com uns tios que me iam levar à EuroDisney, se me sinto radiante com tudo à minha volta e ansiosa por tudo o que me espera, então é porque é certo que nada poderá correr mal.
Nunca, jamais, nenhum avião ousou despenhar-se com uma pessoa tão feliz com a sua própria vida lá dentro. Disso tenho a certeza.
Chegada a Paris após uma viagem não muito confortável em que fui enfiada na última fila mas que, ainda assim, não foi suficiente para me por de mau humor porque ao menos fiquei à janela e sem ninguém no resto da fila, porque estou a adorar o meu livro e porque encontrei os phones do ipod mesmo antes de sair de casa, porque gosto das "refeições ligeiras" da TAP porque são sempre sandwiches quentes e é certo e sabido que eu odeio comida fria, seja ela qual for, meti-me num táxi e pus em prática o meu enferrujado francês.
Tenho pena de não falar francês melhor, ou pelo menos como já falei. Quero lá eu saber que adorar francês me faça parecer com não sei quem que aparentemente é parecida comigo em tudo e mais alguma coisa, ou então sou eu parecida com ela, porque sou para aí 15 anos mais nova, ou seja lá qual for a diferença entre a minha idade e os 20 e quase todos. Mas ainda assim desembaracei-me bastante bem. Aparentemente, não o suficiente para dar a entender ao taxista que sou uma parisiense à séria, até porque pedi para ele me levar para um hotel, porque ele achou por bem andar por aí a passear-me às voltas e cobrar-me quase um ordenado mínimo, dos portugueses, pela viagem.
Cheguei ao hotel que era pura e simplesmente de sonho e decidi que estava com energia a mais para me esparramar em cima daqueles edredons perfeitos a ver televisão e a desfrutar do meu inseparável portátil. Impossível. Podem ser 10h da noite em Paris mas em Lisboa ainda são 9h e eu estou cheia de energia. Ainda nem é de noite e só tenho pena é de estar em Boulogne e não no centro da cidade, senão ainda dava uma volta gira. Mas vou à mesma e fica já aqui prometido a mim própria que se vir um M de Metropolitan salto lá para dentro num abrir e fechar de olhos. Nada me impedirá!
E nada me impediu, até porque estava sozinha com os meus pensamentos e com o meu ipod. Deparei-me com um gigante mapa de Paris salpicado de centenas de linhas de metros de todas as cores e números possíveis e cheguei à conclusão que nem sabia em que canto de Paris se encontrava Boulogne, sabendo apenas que era um banlieue bem agradável. Ora perguntei ao rapaz dos bilhetes que me diz "en bas, à gauche!". Lá encontrei a minha estação e eis que tinha uma linha directa para os Champs Elysés. Queria dois bilhetes se faz favor. Vous ètes ravissante! Responde-me ele. Não consegui não sorrir e não lhe dizer merci beaucoup e dá-me cá os meus bilhetes de aller et retour antes que eu fique com medo e perceba que sou uma miúda inconsciente a passear-me pelo metro de Paris, à noite, com um esvoaçante vestido à anos 50.
O metro, nojento de fazer impressão, ainda se passeou por umas 10 estações até à minha e, chegando lá, ainda tive que atravessar a pé até outra, cheirando tudo igualmente mal ou ainda pior, para chegar à saída número um. Estava quase, mas quase a pensar que isto tinha sido uma asneira. Eram quase 11h da noite e o último metro de regresso era pouco depois da meia-noite mas, verdade seja dita, subir as escadas do metro e encontrar-me no meio do Champs Elysés compensa todo e qualquer esforço possível.
Não me vou por a descrever as centenas de pessoas a passear, as lojas todas abertas e salpicadas de gente a entrar e a sair, os piropos constantes (conquistei Paris!) e o crepe que comi enquanto subia e descia aquela rua única no mundo inteiro. Para isso escrevia o tal livro inteiro sobre uma noite em Paris e não apenas um textinho no blog.
Óbvio que quando acabei o meu smoothie de morango e me voltei a enfiar no metro já não achei tanta piada à coisa. Tinha as indicações todas bem decoradas na minha cabeça para não me perder mas claro que o encanto de um metro mal cheiroso e mal frequentado em direcção aos subúrbios depois da meia-noite se desvanece rapidamente. Na altura já desejei ter um jeans e uns ténis calçados em vez de um vestido esvoaçante e umas sabrinas amorosas que já me magoavam os calcanhares e não vou exagerar se disser que olhei umas 5 ou 6 vezes para trás nos 5 minutos que tive que andar a pé da estação de metro até ao meu hotel de sonho.
Mas, como é previsível pela calma com que escrevo isto, correu tudo bem e lá me atirei para cima dos edredons para ver um filme em inglês com legendas em francês o que, parecendo que não, é muito interessante.
Podia-se dizer que a viagem perfeita tinha acabado ontem à noite e que hoje tinha sido a parte chata, mas não! Paris é assim! Se eu lá morasse, acordava sempre à primeira quando toca o despertador em vez de acordar, em média, 2 horas depois do primeiro toque como acontece aqui em Lisboa. Talvez seja por ser diferente, talvez seja por me sentir importante a viajar sozinha em trabalho, mas dei um salto da cama esta manhã com o maior sorriso de felicidade de sempre e vesti-me a correr para viver esse grande, grande momento que é um bom pequeno-almoço de hotel.
A conta já tinha sido tratada, disseram-me eles, mas isso já eu sabia, fazia parte de ser uma viagem de sonho. Isso e estar a 2 quarteirões dos escritórios e estar uma manhã absolutamente fantástica, nada tão quente como tem estado por Lisboa, num bairro amoroso cheio de cafés de esquina com mesinhas montadas e croissants a serem servidos a pessoas com bom aspecto. (Os croissants estou a exagerar, não vi nenhum, mas acho que foi mais falta de concordância temporal do que imaginação pura.)
Após uma manhã de formação que acabou por ser uma reunião entre mim e uma pessoa com quem falo quase semanalmente por e-mail, fomos almoçar as duas a um restaurante japonês extremamente fashion daquela zona de Paris onde, de facto, se encontravam mesmo os directores japoneses da minha empresa na Europa. Mas não houve interesse entre nenhuma das partes em que fossemos apresentados. Para não ser previsível de mais, não vou dizer que o almoço estava maravilhoso, que estava, e que o ambiente de todo o dia foi óptimo, conversei imenso (já em inglês!) e que o almoço foi, claro está, oferecido pela empresa. Podia quase dizer que a Beatrix e eu ficámos quase amigas e que vamos trocar imensos e-mails porque temos imensas coisas em comum, mas antes de me vir embora tive que lhe dizer: "Sabes Beatrix, foi bom conhecer-te mas já não tenho 18 anos, não faço mais amigos. Adeus e falamos quando precisar da tua ajuda com este projecto". Kidding, óbvio. Mas também não ficámos propriamente amigas, estou a exagerar. Mas fiquei com óptima impressão dela porque, até à data, a única Beatrix que havia na minha vida era a Beatrix Lestrange do Harry Potter que é má para caraças e portanto achava que esta também seria meia louca e, quem sabe, também um bocadinho bruxa.
Já não posso é dizer que tenha adorado a ala Oeste do aeroporto de Orly, repleta de espanhóis a viajarem de regresso para Sevilla e Madrid após uma viagem desenfreada com os miúdos à EuroDisney. Era nitidamente uma população espanhola de classes D e E para baixo. Barulho, gente, todos muitos grandes e com muitos fedelhos à volta. Uma dor de cabeça. E eu não costumo ser assim, juro que não.
Mas viagem a Paris à parte e espanhóis à parte, o livro que eu gostaria mesmo, mesmo de ter escrito, era um livro que contava a história de como, mesmo antes de embarcar, me aproximei da emigrante portuguesa que mora em Paris e que visita a terrinha uma vez por ano, mais ou menos a 24 de Julho, e puxei da minha pistola com silenciador aplicado, encostei-a à sua malinha azul e dei um tiro no pequeno cãozinho que saltava lá dentro e dava gritinhos insuportáveis.
E eu sei, eu sei. Que muita gente adora muito cãezinhos e as lambidelas deles e até dorme com eles na cama e outras coisas que tal. E eu não odeio, aliás é certo e sabido que quero muito ter um cão. Mas um cão pequenino, nervoso, enervante, irritante, dentro de uma mala azul e, acima de tudo, dentro do meu avião, isso é que não.
Mas esse livro não poderei nunca escrever por diversas razões: não tenho uma pistola nem um silenciador. Aliás, só sei o que é um silenciador por causa da televisão.
E não posso escrever um livro sobre uma viagem de sonho a Paris porque o horror do cão me estragou o sonho todo e ladrou a viagem toda para cá, coitadinho, porque tinha dores de ouvidos.